Lindolpho, filho do ex-prefeito Raimundo Alves de Almeida (Mundico), servidor de carreira do Senado da República, é o maior pesquisador da história de nossa terra, e brevemente estará lançando um livro com a história de Alto Parnaíba.
A própria matéria - didática e objetiva - explicita as razões do posicionamento do escritor e historiador alto-parnaibano. Vejamos:
ALTO PARNAÍBA: 146 ANOS DE FUNDAÇÃO?
Caro amigo Dr. Décio Rocha,
Há algum tempo tenho acompanhado com atenção as
notícias a respeito dos festejos que se realizam todo ano em Alto Parnaíba,
semanas antes do dia 19 de maio, para lembrar a funda-ção de nossa cidade.
Neste 19 de maio de 2012, comemora-se aí a passagem dos “146 anos de sua
fundação”. Sou um diletante e curioso pesquisador, como o prezado amigo, dos
fatos que deram origem à formação histórica de nossa cidade, e gostaria de
expender algumas informa-ções a respeito deste tema, ou seja: a data oficial de
criação da cidade.
Na verdade, como também sabe, conhecem-se inúmeros
documentos que relatam que a “fundação oficial” de Alto Parnaíba deu-se quando
da doação à Igreja de parte das terras da fazenda Barcelona por seu
proprietário, Francisco Luiz de Freitas, juntamente com sua mulher, Micaela
Abreu de Freitas. O documento desta doação teria sido registrado, muito
provavelmen-te, na paróquia de Santa Filomena, pois sabe-se que a Igreja
Católica Romana era constituída como a religião oficial do Império português, e
que mesmo com a proclamação da Independên-cia, em 1822, essa vinculação não se
alterou.
Assim, o catolicismo romano permaneceu como a
religião oficial do país, e realizava funções que eram divididas com a própria
administração do Estado, participando efetivamente da vida política da nação e
do cotidiano de seus habitantes. Cabia à Igreja, por exemplo, a tarefa de
realizar e registrar casamentos, batizados e óbitos, a manutenção e
administração de cemité-rios, registrar e sediar eleições (eleições paroquiais)
e, a partir de 1850, com a promulgação da Lei de Terras, passou a registrar
também a posse das glebas fundiárias rurais.
A instituição Igreja era, naqueles tempos, não
podemos discordar disso, efetivamente muito poderosa. Este é um ponto.
Há poucos dias uma pessoa que conheci no Arquivo
Público do Estado do Maranhão enviou-me, gentilmente, a meu pedido, o seguinte
documento, que há tempos procurava (desde quando lá estive, há cerca de dois
anos, não havia sido localizado). Imagino, posso talvez estar enganado, que
ninguém em nossa terra o tenha ainda conhecido. Meu propósito era divulgá-lo
brevemente, em um trabalho que estou quase a concluir, como o amigo sabe, mas
resolvi ante-cipar, justamente na oportunidade em que se comemoram os “146 anos
de fundação” da cidade, para que ao menos sirva de reflexão aos que apreciam
nossa história. Trata-se da lei que criou a freguesia maranhense de Nossa
Senhora da Vitória, que daria origem à cidade de Alto Parnaíba. Ei-la na
íntegra:
“LEI Nº 974 – de 8 de julho de 1871.
O Dr. José da Siva Maya, vice-presidente da
província do Maranhão.
Faço saber a todos os seus habitantes que a
assembleia legislativa provincial decretou e eu sancionei a seguinte lei:
Art. 1º Fica creada uma freguesia na povoação
de Nossa Senhora da Victoria, que será a sede da mesma com a denominação de
Nossa Senhora da Victoria, cujos limites serão pelo lado do norte, desde a
confluência do ribeirão Limpeza, no rio Parnahiba, até as suas vertentes ou
ca-beceiras, e desta em rumo direito ao occidente até o rio Balsas; pelo lado
sul, desde as nascentes do rio Balsas, encostado à serra Tabatinga ou
Mangabeira, até o vão do Serobim donde nasce o Parnahiba; do lado de leste,
desde o vão do Serobim pela margem esquerda do Parnahiba até à barra do
Limpeza; e pelo lado de oeste, rio Balsas acima até suas vertentes.
Art. 2º Ficam revogadas as disposições em
contrário.
Mando, portanto, a todas as auctoridades a
quem o conhecimento e execução da referida lei pertencer, que a cumpram e façam
cumprir tão inteiramente como nella se contém. O secretá-rio do governo a faça
imprimir, publicar e correr.
Palácio do governo do Maranhão, aos oito dias
do mez de julho de mil oitocentos e se-tenta e um, quinquagésimo da
independência do Império. – José da Silva Maya.”
Quando foi criada, lembre-se, a povoação
localizava-se a cerca de 17 quilômetros acima da vila de Santa Filomena, um
lugar conhecido então como Paixão, entre as fazendas Várzea e Lajeado. Foi ali
a sede primitiva da freguesia, que depois seria transferida para a margem es-
querda da foz do Rapadura, sob a liderança de
Cândido Lustosa de Britto. Além disso, o dia é 8 de “julho”, e não de
“junho”,como também aparece em algumas publicações.
É do conhecimento dos estudiosos do assunto que
as terras da margem esquerda do alto rio Parnaíba – com suas fronteiras a oeste
ainda desconhecidas, mas na outra ponta iam até o limite norte do atual
município de Tasso Fragoso – foram exploradas e colonizadas pelos pi-auienses,
e eram consideradas como pertencentes ao extenso município de Parnaguá,
integrando a área da freguesia de Santa Filomena, criada em 1865, como um
distrito daquele município. Ainda em 1866, portanto, aquelas terras do outro
lado do rio estavam sob o controle do chefe político de Santa Filomena, o
tenente-coronel José Lustosa da Cunha. O padre residente na fre-guesia
piauiense prestava assistência religiosa aos moradores locais, até que o dono
da fazenda Barcelona, com a assentimento do chefe religioso, voluntariamente
fez a doação de parte de sua propriedade para constituir o patrimônio da Igreja
e construção de uma capela na localidade. A iniciativa do proprietário era
apenas um ato formal e muito comum naquele período.
Mas somente naquele 8 de julho de 1871, com a
criação da freguesia de “Nossa Senhora da Victoria”, é que o Maranhão tomaria
posse “oficial” da margem esquerda superior do Parna-íba, ato que contrariou
profundamente as autoridades da província do Piauí, que passaram a acusar o
governo maranhense de ter, com aquele ato, “usurpado” as terras que lhes
pertenciam. E essa questão de fronteiras entre as duas províncias se arrastaria
ainda por muitos anos.
Para concluir, penso que algum historiador menos
incauto de nossa terra, até por desco-nhecimento da lei (aqui publicada) que
criou a freguesia, teria convencido as autoridades alto-parnaibanas, já há
alguns anos, de que o 19 de maio é, de fato, a data de “fundação” da cidade,
mas, diante das evidências e fatos históricos, poderia significar somente a
data de “doação” de uma área pelo proprietário da fazenda Barcelona, e
passou-se a partir de então a comemorá-la “oficialmente”, com a promoção de
grandes eventos patrocinados pela prefeitura do município, muitas vezes com
enormes gastos públicos, sem qualquer transparência.
É a reflexão que gostaria de sugerir aos conterrâneos.
Que a verdade histórica seja restabelecida.
Dr. Décio, faça desta mensagem o uso que quiser, se concordar com seu teor. Se achar conveniente, publique-a em seu blog e divulgue-a.
Com um grande abraço do amigo,
Lindolpho do Amaral"
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