domingo, 21 de novembro de 2010

MENINICE

Aqueles amigos que ficam da infância não são muitos, entretanto, mesmo afastados por circunstâncias alheias às nossas vontades, as lembranças da meninice e da adolescência não nos deixam.


Quintal de nossa velha casa em Alto Parnaíba. Janeiro de 1979. Da esq.dir. Em pé: Kleuber Formiga Rocha, Paulo Sérgio de Carvalho Brito, Hélio Formiga Rocha e Wagner Mascarenhas Filho. Agachados: Eldimalarde Rodrigues de Araújo; eu (com a camiseta do Fluminente e segurando a bola), Lívio Bastos Santos, Flávio Mascarenhas de Araújo (já falecido) e Haroldo Herley Formiga Rocha.


Em Alto Parnaíba, minha pequena cidade situada à margem maranhense do belo rio Parnaíba, nasci e vivi a infância e o início da adolescência, convivendo com as crianças do lugar, independentemente de classe social ou condição financeira; ao contrário, talvez em outro lugar não existisse uma demonstração natural de convivência democrática e, portanto, igualitária, sem distinções ou preconceitos, entre todos os habitantes, como na mais meridional cidade do Maranhão.


Na semana que está se findando, perdi um desses amigos, nascido em um lar pobre, criado sem a mãe biológica e apenas pelo pai e, principalmente, pela avó paterna, dona Filucha, ao lado dos dois irmãos mais velhos, Ferdinan e Eldinan.


Morreu em Gurupi, no estado do Tocantins, Eldimalarde Rodrigues de Araújo, ou simplesmente Malarde, nascido em Alto Parnaíba no ano de 1965, assim como eu.


Sem atrativos físicos ou financeiros, Malarde tinha o seu carisma, conquistando facilmente a amizade das pessoas e das outras crianças. O próprio nome, que não era mistura dos nomes dos pais ou de outros parentes, era único. Corpo franzino e ágil, brigão muitas vezes, de lábia fina em desculpas, meu amigo Malarde era um conquistador nato e viveu com duas mulheres - e procriando em abundância - ao mesmo tempo, e o mais raro: as mulheres tornaram-se amigas, pois precisavam da união para ajudar a sustentar a extensa prole e o amado.


Meio malandro à carioca no interior do Maranhão, filho de um pai também com um nome que profetizava a fartura nunca vinda, Luís Anos Bons, Malarde gostava de visitar a casa de um vizinho abastado mais precisamente no horário das refeições. Certa feita, como de costume meu amigo ali chegou quando a mesma do almoço já estava posta e todos os lugares e, consequentemente, os pratos ocupados e com seus donos. Eldimalarde ficou em pé atrás do chefe da família, que ocupava a cabeceira, e este, meio áspero e incomodado, já nas últimas perguntou ao menino que sentia vontade apenas de comer melhor: quer almoçar, Malarde. O filho do homem da fartura que nunca teve dinheiro, olhou em direção à farta mesa e respondeu ao rico senhor: mas não tem prato.


No seu último retorno a Alto Parnaíba para morar, Malarde comprou uma bicicleta em uma grande loja. Não pagou nenhuma prestação e, segundo ele, não foi possível fazer no decorrer dos meses, pois precisava alimentar vários filhos apenas com o trabalho de pintor de parede. A grande loja, prepotende e achando-se acima das leis em um lugar pequeno, mandou um empresgado adentrar (invadir) a casinha do meu amigo e dali retirar a bicicleta. Malarde de imediato veio atrás de mim e ingressamos no juizado. Final da história: meu amigo ganhou outra bicicleta, novinha da silva, totalmente quitada. Por isso, também era chamado de Malardinho de Sorte.


Felizmente, fica a saudade e as boas recordações. No plano superior, com certeza as farturas negadas a Luís Anos Bons e seu filho caçula, possam encher uma mesa infinita de boa comida. Adeus, Eldimalarde.

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