Filho homem caçula e penúltimo da prole de Ifigênia do Nazareth e Antonio de Araújo Rocha, Manoel Carmona nasceu há exatos oitenta anos, na velha Victória do Alto Parnaíba, cujo quintal da casa de seus pais - permanece com a família - tem por cenário as águas majestosas do rio Parnaíba.
Meu tio Carmona era uma dessas pessoas especiais, morto há sete anos no mesmo mês em que veio ao mundo, cujo envelhecimento não o afastou do entrosamento com as gerações mais novas e muito menos a sua juventude o distanciou daqueles mais velhos, congregando, em torno de si, a admiração, o respeito e o carinho dos que o conheciam e mesmo daqueles que apenas de nome - nome forte e personalístico que independia prévia apresentação - por onde andou.
E Carmona andou muito e exerceu atividades diversas, desde oleiro, fabricante artesão de cal, mestre de obras, pecuarista, balseiro (transporta bois e porcos em balsas nas águas do Parnaíba até Floriano e Teresina), agricultor e até político, mas em todas essas missões se aliava o gosto musicial privilegiado, a voz excelente que encantava a todos, o pé de valsa que fazia vibrar com seus passos ágeis em ritmos diferentes, o amante da noite, das madrugadas e do encontro romântico com a lua, o boêmio que admirava Nelson Gonçalves, Sílvio Caldas, Carlos Galhardo, Orlando Silva, Cartola, Adoniran Barbosa, Herivelto Martins, Dalva de Oliveira, Ângela Maria, Altemar Dutra, Valdick Soriano e tantos outros que cantavam simplesmente a vida.
Carmona Rocha se misturava com a multidão, se envolvia com o povo, era um deles. Vereador em dois mandatos, foi o mais votado proporcionalmente na história de Alto Parnaíba. Caridoso, conselheiro nato, negociante habilidoso, carismático, ganhador de dinheiro, com o porte permanente de elegância até a morte, talvez herança do galã na juventude, era uma companhia cativante, um papo descontraído e ameno, que aliviava tensões ou depressões de seu interlocutor, como bem o definia meu irmão e seu sobrinho, Plínio Aurélio do Amaral Rocha, que, com certeza, continuam aquele papo permanente dos finais das tardes da porta da casa de tia Ritinha na última morada.
Extremamente simpático, que cumprimentava a todas as pessoas de todas as idades e camadas sociais diferentes, que não costumava alterar a voz ou o humor, Carmona despertava paixões e como qualquer ser especial, provocava involuntariamente a inveja em outros menos afortunados pela natureza, porém, não cultivava o ódio e nem destilhava o fel amargo contra quem quer que seja, já que apenas faz o mal a quem o expele.
Uma outra característica fascinante da personalidade de tio Carmona era a de como reagia e ressurcia muitas vezes das cinzas. Chegou a ficar pobre e sem seus bens materiais, ajudado pelos irmãos a se recuperar, tendo na esposa e companheira de décadas, minha tia Orquídea Leitão Brito Rocha, uma mulher de fibra criando sozinha com uma máquina de costura como instrumento de trabalho a família, sem jamais o abandonar ou deixar de amá-lo. Desse abismo ele ressuscitou, voltando a crescer economicamente, trabalhando árdua e honradamente com uma inteligência empresarial extraordinária. Do vício da bebida que o corroia, se saíu sem precisar de clínicas, mas apenas de vergonha de cara, como ele transmitia a todos nós, seus parentes. O seresteiro, entretanto, continuava o mesmo, com uma bela voz a entoar canções imortalizadas na alma e nos corações de gerações e mais gerações de brasileiros. As botas de boiadeiro, o chapeu panamar e o bigode jamais raspado, marcavam a elegância desse homem que tantas vezes superou a morte até que esta o surpeendeu, já que muitos de seus ente queridos e amigos haviam feito anteriormente essa viagem e de lá clamavam para ouvirem, ao lado de Deus, a voz entoada do maior seresteiro que conheci, uma voz natural que não precisou de modulação ou de ensinamentos musicais.
Particularmente sinto uma falta imensa de meu tio Carmona, irmão de meu pai, querido pelos pais, por todos os irmãos, filhos, netos e binestos, noras, genros, sobrinhos, cunhados, primos, amigos e especialmente por tia Orquídea, felizmente ainda entre nós e conduzindo a sua família, cujos ensinamentos do jovem e velho Manoel Carmona de Araújo Rocha, de graça e a cores, são o melhor remédio para se viver melhor e de forma intensa essa nossa passagem material.
quinta-feira, 28 de julho de 2011
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Décio
ResponderExcluirEu nunca tinha visto uma definição tão perfeita do nosso tio Carmona; eu apenas o amava com a mesma intensidade com que você o define.Sinto inveja por não ter a sua eloquência(rsrsrsrs0,mas certamente o nosso amor, nosso respeito e admiração por ele tem a mesma dimensão. Forte abraço! Martha
Décio
ResponderExcluirEu nunca tinha visto uma definição tão perfeita do nosso saudoso tio Carmona. Invejo a sua eloquência ao defini-lo rsrsrsrs, mas certamente o amor , respeito e admiração que eu tenho por ele são incomparáveis; e eu torno minhas as suas palavras, se você me permite.
Forte abraço, primo!
Décio
ResponderExcluirEstou encantada com a descrição que você fez do tio Carmona; foi a mais perfeita que já vi.Certamente não tenho a sua eloquência para falar sobre ele, mas o amor , o respeito e a admiração que sinto por ele são iguais aos seus.
Décio
ResponderExcluirO comentário foi repetido porque o computador estava muito lento e eu achei que não estavam sendo enviados; favor desconsiderar dois deles rsrsrsr. Dá uma olhada no meu blog:Câncer de mama, e agora?
Beijos!